Review: "ESTADO MONOCRÁTICO: O PODER NAS MÃOS DE UM"

A história dessa produção é fruto de um fracasso e, até onde posso me lembrar, de uma frustração profissional.Em 2003 fui admitido como professor da PUC de São Paulo, universidade em que havia me formado e onde terminava o mestrado em História Social, já preparando meu projeto de doutoramento.Por uma opção pessoal, resolvi colocar em prática ideias que vinham me assombrando desde pelo menos os últimos cinco anos e que consistia, em linhas gerais, numa atividade docente completamente dialógica, quebrando a geografia da sala, eliminando as avaliações e, principalmente, operando sem um conteúdo programático fixo.Os diálogos, segundo minha intenção, deveriam ocorrer segundo um protocolo de provocações relativas ao que os estudantes haviam aprendido até aquele momento, seja nas séries anteriores, seja com as outras disciplinas do programa acadêmico. Nesse sentido, era também antidisciplinar sob todos os aspectos que se possa imaginar.A metodologia desenvolvida partia, portanto, de inversões aos determinismos históricos, ao quadripartismo, ao anacronismo. Grande parte das discussões exigiu grande apoio da imaginação e do pensamento, num mar de hipóteses sem fim. Uma tese geral sempre me moveu: o poder e suas artimanhas. Era o mais próximo que já vi de um curso livre, mas a frequência dos estudantes sempre me surpreendeu.Com o passar do tempo e as polêmicas surgidas pela peculiar natureza das discussões, grupos de estudantes começaram a reivindicar um apoio documental para tais conflitos. Entretanto, minha relutância quanto a este procedimento, como deve ser óbvio, sempre adiou tais documentos, não porque não pudessem ser encontrados, mas pelo simples fato de que esse corpus documental erradicaria a volatilidade das aulas.Curiosamente, os estudantes oriundos da escola pública eram os mais entusiasmados com a metodologia, pois suas dificuldades em operar textos escritos e suas experiências sociais mais intensas marcavam significativamente suas falas e equilíbrios surgiam diante daqueles mais acostumados com as práticas acadêmicas.Para mim, claramente, estava em combate ali a memória de um lado e o pensar de outro. O texto escrito exige que hábitos de memória disparem suas sinapses especializadas, enquanto o diálogo se apoia basicamente na experiência e, portanto, no pensamento, atividade oitiva, corporal e pouco simbolizada. Mas, surpreendentemente, com o avançar dos trabalhos, os estudantes que exigiam a documentação começaram a ganhar importância no conjunto dos participantes dialógicos.Para mim, o movimento sempre foi responsável pelo caminhar, ciente de que só se caminha caminhando. Dessa forma, fui paulatinamente incorporando a documentação necessária para que o movimento dialógico prosseguisse.Claramente ficou expressado que minha proposta inicial, depois de alguns anos, estava sendo assimilada pelo ambiente acadêmico, do qual tão ferozmente tentara romper. Esse desencanto foi responsável, dentre outros eventos, também pelo meu afastamento daquela universidade em busca dos estudantes que melhor interagiam com a proposta dialógica, o estudante advindo das escolas públicas que, ironicamente ou não, acabam por financiar seu próprio estudo nas faculdades privadas dos tempos neoliberais.O problema é que tinha em mãos uma infindável coleção de documentos interessantes e que, segundo minhas expectativas, seriam perdidos para mim em pouco tempo de afastamento desta prática.Resolvi então produzir o que chamei de LIVRO COMPLEXO, um antípoda dos livros didáticos, um diálogo de fragmentos perseguindo um monte de hipóteses e uma tese principal de confrontação com o poder.Um grande livro surgiu daí, que foi disponibilizado na internet com o título MANUAL DE CONTRA HISTÓRIA NA ANTI MODERNIDADE. Mais de mil páginas que ainda hoje deve andar por aí, sem dono e sem pátria, sem rumo e sem volta.